A empresária traça pequeno roteiro para quem quer conhecer e participar dos espaços culturais e de resistência negra da cidade
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Nascida e criada em Porto Alegre, a empresária gaúcha Alyne Jobim passou metade da vida no bairro Vila Jardim e metade no Partenon, na Zona Leste da capital, onde mora há 20 anos. Cortado pela Avenida Bento Gonçalves, uma das artérias vitais da capital, o lugar tem o nome inspirado no famoso templo grego. O “apelido” surgiu no século 19, quando um grupo de literatos formou a Sociedade Parthenon Litterario, em que os escritores se reuniam em saraus, palestras e aulas noturnas com a ideia de alfabetizar as pessoas, pois acreditavam que a educação era um dos pilares da humanidade.
Ali, criaram uma revista mensal que tinha a colaboração dos principais nomes da literatura do Rio Grande do Sul da época, lembrados ainda hoje por causa das ruas batizadas com seus nomes, como Caldre Fião, Luciana de Abreu, entre outros. Os contos, os romances e as notas falavam sobre ideais abolicionistas, republicanos e de emancipação feminina. A influência deles foi tão grande para a cidade que em 1959 o bairro teve o nome oficializado.
Coincidência ou não, até hoje essa atmosfera paira no ar partenonista. A própria Alyne tem o empoderamento do outro como propósito de vida. Isso está presente em toda a sua trajetória, desde a formação em Administração de Empresas até lançar-se na área de “inclusão de pessoas”, como diz. Trabalhou muitos anos como executiva comercial de moda, mas ser a única pessoa negra nas multinacionais a incomodava. “Esse não é um lugar inclusivo”, pensava. A constatação virou gatilho para dar mais um passo na carreira ainda durante a gestação da primeira filha, hoje com 14 anos: “O que eu posso fazer para deixar um mundo melhor pra ela?”.
Ela se diz apaixonada por negócios de impacto, mas basta ouvi-la por alguns minutos para perceber que o amor dela está em ajudar o outro. Atuou com inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, ajudou a mapear os empreendedores negros no Rio Grande do Sul para o programa Brasil Afroempreendedor em parceria com o Sebrae e, logo em seguida, fundou com outras sócias a Odabá, associação que tem como pilar central o empoderamento econômico do povo negro por meio do empreendedorismo. A organização ajuda a qualificar e valorizar a produção cultural negra, fazendo oficinas, workshops e palestras por todo o País. “São apenas quatro anos desde a criação, mas muita potência”, resume.
Foi para gravar um documentário sobre o protagonismo negro no Estado que a Alyne conheceu o Africanamente. Ela procurava por espaços culturais para entrevistar a Nina Fola, filósofa e diretora da Odabá, e acabou descobrindo um lugar de resistência. O espaço-escola, como é chamado, fica no bairro Floresta, bem próximo ao Shopping Total, na Cristovão Colombo. “Quando pensamos em lugares para visitar em Porto Alegre, lembramos sempre da Redenção ou do Mercado Público, e os espaços de resistência negra são pouco conhecidos.” O centro tem aulas de capoeira, rodas de estudos e biblioteca afrocentrada, “ótimo ponto de partida para conhecer autores negros” recomenda.
“Uma das referências para a cultura negra da capital é a cantora de rap Negra Jaque. A coincidência é que ela era a coordenadora pedagógica da creche da minha filha”, diz. Foi assim que Alyne conheceu o Galpão do Hip-Hop, no Morro da Cruz. “O lugar fica a 15 minutos da minha casa e envolve tudo que diz respeito à arte, como projetos musicais, oficinas, palestras, brechós. Dali saem muitos talentos.” Ela explica que o espaço fundado por Jaque é para todos: crianças, jovens e adultos. “Qualquer um que queira conhecer, ajudar ou propor alguma atividade cultural é bem-vindo. A gente tem de pensar em como pode contribuir para que esses lugares continuem existindo. Eu, sempre que posso, indico”, afirma.
“Outro ponto da cidade que eu gosto muito é o bar Odara, no bairro Cidade Baixa. Mas ele não é só um bar. A Marla, proprietária, é uma mulher negra, que trabalha fortemente para que a nossa cultura seja mantida. Ela tem olhar coletivo e isso é muito legal”. Recentemente o lugar fechou uma parceria com o Bar do Caninha, que também é um ponto de referência negra na cidade. Alyne conta que o local virou uma fusão dos dois. Tem música ao vivo, comida muito boa, petiscos para todos os gostos, mas o que ela recomenda mesmo é o acarajé e a caipirinha de limão. “Eu circulo muito pela Cidade Baixa, mas fui a primeira vez no Odara para fazer uma reunião mensal da Odabá, que a gente chama de encontrinho. Desde então, virei assídua. Acho que o pensar intencional é isso: mapear esses lugares como ideia de trilha cultural e contribuir com as pessoas negras para que elas possam crescer no ramo que atuam. E isso só acontece quando a gente prestigia esses empreendedores” conclui.
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