Cega desde os 31 anos, ela mostra lugares que sabem receber pessoas com deficiência e diz que ainda há muito a evoluir
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POA tem cerca de 100 mil pessoas cegas ou com baixa visão, segundo a Associação de Cegos do Rio Grande do Sul
Josiane França Santos é uma porto-alegrense “rueira” que adora circular pela cidade. A modelo e ativista cresceu entre os bairros Nonoai e Teresópolis, na Zona Norte, e atualmente mora no bairro Jardim Leopoldina, na Zona Leste. Casada com o psicólogo Paulo Fernando Soares, é mãe de Rodrigo, 15 anos, e Jenifer, 23. Aos 45 anos, Josiane não amarga ressentimentos. “São 45 anos bem vividos, apesar de estar cega há 14.”
Ela perdeu a visão aos 31 anos por causa de uma meningite. Desde que começou a enfrentar essa nova realidade, passou a colaborar com iniciativas como o Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e com Baixa Visão. “Trabalho principalmente com recorte de gênero, trazendo a perspectiva da mulher com deficiência visual. Já participei de vários conselhos e fui muitas vezes a Brasília como delegada de movimentos, levando esse ativismo”, explica Josi, que atua em favor das pautas das pessoas com deficiência, chamadas pela sigla PCD. Segundo a Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (ACERGS), são cerca de 100 mil pessoas cegas ou com baixa visão só em Porto Alegre.
Josiane reconhece que a cidade não é acolhedora para alguém como ela. “Estou literalmente no escuro. Mas não é por isso que eu fico em casa. Pelo contrário! Tanto eu como o meu marido, que também é cego, decidimos, desbravamos e vamos”. Um dos prazeres do casal é ir a museus em visitas especiais, tanto em Porto Alegre quanto em outras cidades, que possibilitem tocar nas obras em exposição. “É como se voltasse a enxergar. Vou sentindo as texturas, as curvas e construindo a imagem dentro da minha cabeça. É como se ela estivesse nos meus olhos”, explica.
Na capital gaúcha, há um tipo de lugar em que Josiane se sente bem recebida: os shoppings. “Em alguns deles, há o entendimento de que os seguranças têm de nos atender e nos auxiliar com a locomoção, bem como de que devemos ser bem recebidos dentro das lojas”. Josiane comenta sobre o Shopping Iguatemi. “Eles trocaram há pouco a equipe de seguranças, e eu, sem querer, estou fazendo a formação deles, mostrando como devem atender uma mulher com deficiência. Eles agora estão buscando o atendimento priorizado para PCDs.”
Por falar em compras, Josiane dá um recado para proprietários de lojas de roupas: “Fiquem atentos porque nós com deficiência também gostamos de moda e de comprar, viu?”.
“Um dos lugares em que eu me sinto em casa é o Theatro São Pedro. O time da casa teve uma formação privilegiada. Eu e meu marido costumamos ir lá às quintas-feiras, quando tem o projeto musical Mistura Fina no Foyer Nobre, e somos atendidos muitíssimo bem. O teatro também tem espetáculos com audiodescrição”, elogia Josiane. Outro centro cultural que ela destaca é a Casa de Cultura Mario Quintana. “Apesar de não ser acessível, quando há eventos direcionados a pessoas com deficiência, somos bem recebidos tanto quem tem deficiência visual como de outros tipos.”
Josiane também cita o restaurante Equilibrium, na Avenida Osvaldo Aranha, que trabalha com sistema de bufê, como um dos estabelecimentos comerciais em Porto Alegre onde se sente à vontade: “Fui com minha mãe e eles me atenderam à altura: se direcionaram a mim quando tinham de falar comigo. Cito isso porque, às vezes, quando estamos acompanhados, quem nos atende se dirige à pessoa sem deficiência, mesmo quando quem paga a conta é a pessoa cega”.
Já para a saída noturna, a ativista curte o Boteco Exportação. “Amo ir lá! Todos me recebem superbem, desde o rapaz da portaria até a moça do caixa e os garçons. Já fui sozinha, com meu marido, com a família, com uma amiga de baixa visão que veio de Curitiba, sempre me atenderam bem”.
“As pessoas não sabem nos receber quando chegamos aos lugares em que desejamos estar. Isso é compreensível. Mas, conforme a gente vai explicando, quando realmente querem, eles conseguem nos atender. Assim, criamos um vínculo, que é criado da nossa parte, não da parte de quem nos atende. Eu entendo perfeitamente isso, porque eu enxergava até os 30 anos”, afirma.