O pesquisador musical conta onde compra seus discos usados e como criou uma relação afetiva com a cidade mediada pela cultura dos LPs
Todos os lugares dessa seleção para você conhecer melhor por aqui
Avenida José Bonifácio, 339 - Farroupilha
Porto Alegre
Rua Garibaldi, 1.352 - Bom Fim
Porto Alegre
A relação do pesquisador musical Lucio Brancato com Porto Alegre veio, principalmente, da sua ligação com o universo do vinil, uma de suas grandes paixões. “Como sou da geração onde o LP ainda era a mídia padrão, posso dizer que desde sempre, ou desde o final do anos 1980, eu compro LPs. Mesmo com a chegada dos CDs, nunca deixei de comprar. Sou do tempo onde até em supermercados eram vendidos os discos. Foi onde adquiri os meus primeiros”, conta.
Durante a infância e a adolescência, ele morou nos bairros Petrópolis e Auxiliadora. Mas há 20 anos mudou-se para a Cidade Baixa. “O bairro é muito conhecido pela boemia, mas, como moro em uma parte mais residencial, quase na Azenha, posso optar pelo agito ou não andando poucas quadras”. E, quando escolhe pela calmaria, aproveita para ficar em casa e desfrutar a sua coleção.
“Sou muito eclético, para desgosto dos meus vizinhos – ou não”, brinca. Dentre as centenas de exemplares, o gênero predominante é o rock clássico dos anos 1960 e 1970, além de black music do mesmo período. “Meus tesouros são as discografias completas das bandas The Beatles e The Faces, além do músico Gene Clark.”
Para o jornalista, escutar LPs é uma cerimônia especial, quase religiosa. “Considero uma arte plena de audição musical, diferente da relação dos tempos atuais em que playlists e músicas aleatórias dominam a maioria dos ouvidos.”
Lucio lembra ainda as particularidades da audição de um vinil no toca-discos. “Escutar um LP demanda atenção. Afinal, em algum momento, você é obrigado a virar o lado para continuar a ouvi-lo. A relação com a obra também fica ainda mais completa por permitir o contato com a capa do disco, sua arte, detalhes, suas informações de ficha técnica, que muito se perdeu na era digital”.
Foi caminhando pela cidade e garimpando lojas de vinil que Lucio criou o roteiro perfeito para quem, como ele, é louco por discos. Na Rua Garibaldi, ele é fã da Toca do Disco, espaço que existe desde 1989 e comercializa LPs novos e usados.
“A loja fica bem na divisa entre Bom Fim e Independência, muito perto do Colégio Rosário, onde estudei. Costumo brincar que boa parte dos meus estudos foram divididos entre o colégio e a Toca. O Rogério Cazzetta [proprietário] já me aguenta há pelo menos 30 anos, desde minha adolescência. É um lugar que proporciona muito dessa troca que a música permite, pois converso com o Rogério e interajo com outros clientes. Boa parte da minha formação musical foi lapidada na Toca do Disco”, confessa Lucio. “Muitos dos meus maiores tesouros da discoteca saíram das estantes da loja. A relação de amizade ficou tão forte e próxima que, quando fiquei doente, ele levou uma encomenda que eu tinha feito até a minha casa, pois sabia que eu estava ansioso com a chegada dos discos.”
Aos domingos, Lucio vai ao Brique da Redenção, tradicional feira de artesanato e antiguidades ao longo da Avenida José Bonifácio, bem ao lado do Parque Farroupilha. “Ali tem alguns expositores que vendem LPs. É um exercício bem bacana de garimpo mesmo, na descoberta de novos tesouros para a discoteca.”
Para quem quiser “caçar” velharias fonográficas no Brique, o pesquisador dá o caminho das pedras. “Eu recomendo a visita ao expositor que fica localizado bem no final da feira, na esquina com a Avenida João Pessoa. Para quem procura discos de rock gaúcho, música regional do Sul e clássicos da música popular gaúcha, como Bebeto Alves, Nei Lisboa e Kleiton & Kledir, lá é sempre um bom lugar para garimpar pérolas. Não deixa de ser também uma boa fonte de pesquisas, já que o acervo é muito grande e variado. Você pode sair de lá com um disco que nem esperava encontrar.”
Para os novatos na nobre e paciente arte de fuçar prateleiras de discos antigos, o "mestre jedi" Lucio Brancato ensina a manha: “Eu não me preocupo tanto com as condições das capas dos álbuns, mas se o disco não tem arranhão ou algum estrago do tempo, como mofo. Muitas vezes uma capa detonada ou riscada guarda um vinil ainda inteiro e em plena condição para rodar. Muitos lojistas colocam valores mais baixos quando as capas não estão muito boas, o que não quer dizer que o disco não esteja bom para ouvir. Por isso, fique atento e não deixe passar um LP no garimpo somente pela capa: sempre vale conferir como está o produto principal, que é o áudio”.
Crédito de imagens: arquivo pessoal